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sábado, abril 20, 2024

Doutora em Educação Escolar analisa processo inédito de avaliação de concurso em Mato Grosso

Em uma iniciativa inédita no país, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT) vai realizar um concurso público com quatro fases eliminatórias para professores da educação básica. Uma das etapas, por exemplo, será preparar e ministrar uma aula perante uma banca de examinadores. De acordo com a Seduc, a proposta visa melhorar qualidade de ensino nas escolas estaduais. A prova para professor será aplicada no próximo dia 17.
Com a novidade do certame, o jornal Folha Regional convidou a professora doutora Camila José Galindo, do Departamento de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus de Rondonópolis, para analisar o processo de avaliação do concurso da Educação em MT.
A docente primeiramente destacou que ao longo de décadas, a profissão do professor tem sido desvalorizada tanto pela classe política quanto pela própria sociedade. “Quando um sistema de ensino (estadual, municipal ou federal) seleciona professores por meio de processos rigorosos, somos levados a pensar, pelo menos em um primeiro momento, que o sistema está a duras penas, nadando contra a maré. Ou seja, está tentado, ainda que em condições adversas selecionar os melhores candidatos disponíveis à profissão,” comentou Camila.
Ela explica que as pesquisas na área de Educação e as experiências de realidade brasileiras têm mostrado a necessidade de melhorar a qualidade de avaliação na seleção de professores e também dos demais profissionais. “A dimensão que a formação escolar tem requer um profissional bem formado, tanto em conhecimentos específicos da área do ensino quanto como pessoa no que tange a valores, ética, responsabilidade, compromisso social. Espera-se ainda do profissional, que além de exercer bem sua profissão, tenha identidade com ela, invista na sua formação continuada, almeje melhorias no desempenho profissional,” externou a docente.
Porém, ela destaca que para isso ocorrer é preciso que haja melhorias para a profissão. “Cabe aos sistemas, aos políticos, a sociedade em si valorizar os professores. Inclui-se investir em formação superior; realizar seleção rigorosa; oferecer salários dignos minimamente equiparáveis a outros profissionais com a mesma titulação; ofertar condições estruturais de trabalho e de formação continuada; exigir um trabalho de qualidade no qual implica participar e acompanhar os processos e atividades educacionais,” destacou a professora.
Para ela, a vantagem do processo com quatro etapas eliminatórias está em ingressar os melhores candidatos à profissão estão diretamente implicadas no resultado do trabalho realizado pelos professores nas escolas junto aos alunos.
Já por outro lado, Camila Galindo entende que um processo de seleção precisa ser educativo, principalmente para o sistema que está recrutando. “Os dados das diferentes etapas precisam servir de base para (re) pensar a própria Educação Básica (do Estado e dos municípios). Isso inclui de uma forma direta a organização do currículo escolar e as estruturas inerentes aos sistemas que permitem ou engessam as práticas pedagógicas, ou seja, o trabalho dos professores,” avaliou a professora.
Para a professora, outro aspecto que deve ser levado em conta é o perfil dos candidatos. “Arrisco em dizer que a maioria dos candidados são ex-alunos da Educação Básica pública do estado de Mato Grosso, advindos de escolas públicas estaduais e municipais. Considerando esse dado, ainda que hipotético, e as etapas previstas para o concurso ao cargo de professor, questiono: Qual a bagagem de conhecimentos gerais a formação escolar permitiu que os candidatos alcançassem quando estiveram nos bancos escolares?”
A professora doutora Camila José Galindo também fez uma análise sobre as quatro etapas eliminatórias do certame. “Requisitar 50% dos conhecimentos gerais, relativos a Educação Básica, e 50% de conhecimentos específicos relativos a formação superior – cursos de Licenciaturas, significa permitir o ingresso de pessoas com um perfil formativo frágil – perfil esse que inicia na educação Básica,” reiterou.
Quanto à 2ª etapa do concurso que é a prova discursiva, a professora explica que ela oferece elementos de reflexão aos sistemas que ofertam a Educação Básica e aos institutos, faculdades, centros universitários e universidades que ofertam o ensino superior e é preciso pensar em quais condições de formação têm os alunos aprovados por essas instituições.
“O domínio da expressão escrita da linguagem é requisito central para essa fase eliminatória. Porém esse saber, não é um conhecimento restrito a formação em Língua Portuguesa. Saber escrever e expressar as ideias é condição humana universal, faz parte da cultura da espécie humana. É, portanto, um elemento central na formação escolar; transversal as diferentes áreas de conhecimento. Qualquer cidadão deveria ter condições de expressar-se com coesão, lógica e crítica. No entanto, poucos conseguem. Essas limitações não são individuais. São educacionais e situam-se num âmbito coletivo de decisões,” explicou a professora.
Para ela, a terceira etapa poderia ser o coração do processo de seleção do concurso, mas apresenta problemas muito significativos tanto para servir de parâmetro e ter, de fato, algum sentido na seleção, quanto para o ingresso e permanência na carreira.
“As pesquisas no campo educacional, nas diferentes áreas do ensino, têm apontado sob o viés de críticas às práticas tradicionais, a necessidade de novas abordagens de ensino – aulas que privilegiem a interação dos alunos, professor e conhecimento, inclusive com uso de diferentes recursos e materiais; aulas significativas que não se limitem ao espaço da sala de aula, à lousa e a exposição oral; aulas orientadas por um trabalho cooperativo, analítico, crítico, que possibilite formação de habilidades e competências requeridas na vida social de crianças, adolescentes, jovens e adultos. Demonstrar conhecimentos dessa natureza e fazer uso deles parece-me apropriado numa prova didática, pois é nessa amplitude de possibilidades que a Didática se apresenta. Embora saibamos das condições estruturais das escolas públicas, não me parece conveniente avaliar o uso (simulado) de um único recurso (lousa) entre tantos que temos, numa prova didática,” reiterou Camila.
Quanto a última etapa que é a avaliação de títulos, a docente avalia que é preciso ser mais prudente em relação aos diplomas de títulos obtidos em nível de especialização.
“O mercado das especializações concentrados nas instituições privadas pelo Brasil afora, com duvidosos processos de acompanhamento e avaliação, tem expedido diplomas que não validam conhecimentos especializados. Ainda que haja regras para organização e funcionamento dos cursos lato sensu no ensino superior, a qualidade não é assegurada, pois independem de autorização, reconhecimento ou renovação de reconhecimento. Se a oferta é livre e há uma demanda expressiva de clientes no mercado, logo a “qualificação” é rapidamente elevada, elevando o nível salarial dos professores e os custos com a folha de pagamento. O maior problema é que esse investimento por parte dos professores e do sistema não tem refletido sobre a qualidade da aprendizagem” concluiu a docente.

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