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A voz silenciosa dos corpos

Profissionais envolvidos nas operações de resgate e de reconhecimento dos corpos já periciados do voo 447 da Air France ouvidos por VEJA dizem que, ao contrário do que se especulou inicialmente, os ferimentos sofridos pelas vítimas fazem supor que o avião não explodiu nem se desintegrou inteiramente no ar, ejetando os passageiros a grande altura sobre o oceano. É quase certo que o aparelho caiu na água, ainda com a fuselagem preservada – pelo menos em parte – e com muitos dos passageiros em seu interior. No momento da queda, todos os ocupantes do Airbus já estariam mortos por asfixia, causada pela rápida despressurização da cabine momentos antes da queda.
O alerta sobre a despressurização da cabine consta das duas dezenas de mensagens automáticas enviadas para o centro de controle da Air France pela aeronave, comunicando falhas graves nos sistemas de navegação, enquanto cruzava uma tempestade. A companhia aérea confirmou a VEJA o recebimento dessa mensagem, expressa pelo código "cabin vertical speed". Com a mudança repentina de pressão dentro do avião e a consequente falta de oxigênio, os passageiros e tripulantes teriam sofrido hipóxia cerebral – falta de oxigenação – e desmaiado em menos de meio minuto. Sem a volta do fornecimento de oxigênio, todos teriam morrido rapidamente
A tese da morte por asfixia é reforçada pelo fato de os primeiros corpos periciados apresentarem o que os legistas chamam de "dentes rosados". Eles são o resultado de hemorragias junto às raízes dentárias, típicas de vítimas de sufocamento. Os exames dos órgãos internos poderiam ajudar a comprovar a tese da asfixia, mas os legistas acreditam que as lesões características dessa forma de morte, como o rompimento dos tímpanos e o inchaço dos pulmões, não poderão mais ser comprovadas por causa do estado de decomposição dos corpos. Caso eles estivessem mais bem preservados, o reconhecimento das vítimas seria mais fácil, já que nas roupas de algumas delas foram encontrados documentos, objetos pessoais e até cartões de embarque.
Os peritos apontam outras provas de que pelo menos parte do Airbus chegou ao solo inteira. Se o avião tivesse explodido ou se desintegrado no ar, os corpos estariam muito mais machucados. A maioria dos cadáveres apresenta o chamado "sinal das quatro fraturas". Essa expressão da medicina legal se aplica a vítimas com fraturas nos terços médios de pernas e braços. São lesões comuns em pessoas que se jogam de edifícios e caem em pé. O "sinal das quatro fraturas" teria sido produzido nas pernas na hora do impacto da fuselagem sobre a água. No caso dos braços, pela força da gravidade no momento de uma desaceleração violenta. Amparados nessas evidências, os legistas descartam a possibilidade de que esses corpos tenham sido lançados para fora do avião em pleno ar, como ocorreu em 2006 com o Boeing da Gol que se chocou com o jatinho Legacy na Amazônia e se fragmentou. "Serão necessários mais exames para avaliar o estado dos órgãos internos dos corpos, mas as lesões sugerem que as vítimas estavam sentadas e que o avião pode ter batido violentamente de barriga sobre o mar", diz um perito. "Se essas pessoas tivessem caído do avião ainda no ar, teriam múltiplas fraturas, além das que observamos apenas nos membros superiores e inferiores. Além disso, seus órgãos estariam destruídos", ele conclui.
Transcrito da revista Veja (Ed.2117/17/06)

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