R$ 90 milhões em dívidas e salários atrasados: o colapso da Santa Casa
Em depoimento à Comissão Parlamentar, presidente da Santa Casa admite falhas administrativas, contratos irregulares e revela bastidores da pior crise da instituição.

Na quarta oitiva da Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investiga a gestão da Santa Casa de Misericórdia de Rondonópolis, o presidente do Conselho Administrativo, Jaques Brunet, prestou depoimento e forneceu esclarecimentos sobre uma série de decisões, contratos, problemas financeiros e suspeitas de irregularidades na instituição. O conteúdo da sessão, que se estendeu por mais de três horas, revelou falhas graves de governança, ausência de mecanismos básicos de compliance e decisões tomadas com base em expectativas não concretizadas.
Durante o depoimento, o presidente admitiu que contratos importantes foram assinados por ele sem a assinatura da diretoria executiva ou parecer jurídico documentado. Um dos exemplos foi o contrato com a empresa Concerve, que, segundo ele, foi apresentado pela diretora executiva da época, Bianca Talita, e assinado por sua confiança na competência dela. “Se você, dentro de qualquer relação de trabalho, não confia em quem lhe dá apoio, automaticamente tem que sair fora disso”, declarou Jaques. Ainda assim, o contrato não possui rubrica do departamento jurídico, o que levantou questionamentos por parte dos parlamentares sobre a legalidade do processo.
Uma das questões mais discutidas na oitiva foi o aumento expressivo dos custos operacionais da Santa Casa. Em 2023, o orçamento da instituição foi de R$ 140 milhões, saltando para R$ 180 milhões em 2024 — um acréscimo de 25% mesmo diante de um déficit mensal de R$ 3 milhões. Questionado sobre a razão desse aumento, Jaques afirmou que a antiga diretora executiva fez projeções de arrecadação com base em uma possível vitória judicial em uma ação do programa TUNEP, que, segundo ele, poderia render cerca de R$ 150 milhões à Santa Casa. Contudo, o processo ainda tramita na Justiça e não há previsão concreta de recebimento. “Provavelmente foi uma situação na qual a decisão foi apressada”, reconheceu.
Outro ponto polêmico foi o contrato da própria ex-diretora executiva, Bianca Talita. Ela chegou a receber R$ 50 mil mensais, valor considerado alto mesmo para padrões hospitalares privados. Jaques afirmou que o salário foi aprovado pelo Conselho e reajustado ao longo do tempo conforme a atuação de Bianca. Após sua saída do cargo de diretora executiva, Bianca foi mantida na Santa Casa com um novo contrato para captação de recursos — função que já era desempenhada por outra profissional, Chimena Teixeira. Parlamentares questionaram a duplicidade e a justificativa da nova contratação. O presidente do Conselho afirmou que foi um pedido de membros da irmandade, em especial dos doutores Sinésio e Odílio, para que “não houvesse uma ruptura nos processos de arrecadação”.
Outro tema sensível foi a denúncia feita por Bianca em documento entregue à CEI, onde ela apontava a existência de uma “máfia médica” que atuaria em benefício próprio por meio de contratos irregulares. Jaques rejeitou a expressão, dizendo tratar-se de um termo “exagerado” usado por Bianca. Ele, no entanto, reconheceu a existência de corporativismo entre algumas categorias, como ocorre em outras áreas com elevado grau de especialização.
Sobre os contratos citados na denúncia — incluindo especialidades como anestesia, oncologia e obstetrícia — Jaques informou que a nova gestora administrativa, Luciana Inácio, está revisando um a um. “Ela deverá revisar bastante deles para poder reduzir custo, porque o objetivo é este”, disse o presidente, demonstrando confiança na atual gestão. Ele ainda confirmou que acredita que a nova diretora tem conduzido a Santa Casa com mais competência do que a gestão anterior.
A sessão também abordou o destino de patrimônios da instituição, como fazendas e imóveis urbanos, muitos ainda em processo de regularização. Entre eles, um terreno localizado em Itiquira que supostamente teria sido doado à Santa Casa, mas cuja titularidade ainda é incerta. Sobre a Fazenda do Tesouro, Jaques relatou que o imóvel está em processo judicial e que houve tentativa de usurpação da área por terceiros, o que foi contestado pela instituição.
A oitiva revelou ainda que, em 2023, a Santa Casa custeou parcialmente uma viagem internacional à Suíça, para participação na Organização Mundial da Saúde, com objetivo de atrair doações. A ação rendeu cerca de R$ 1,5 milhão em captações com empresas como Vale, Rede D’Or e Zurich, valores carimbados para aplicação exclusiva na oncologia.
No encerramento, Jaques reconheceu falhas administrativas, a ausência de mecanismos de transparência e compliance, e a dificuldade em atrair voluntários para a irmandade devido ao risco de responsabilização pessoal. “Teve falha do conselho, provavelmente teve falha. Ninguém é infalível, sobretudo quem não entende da área médica e de gestão hospitalar”, admitiu.
A CEI encerrou a sessão com críticas à forma como decisões estratégicas foram tomadas com base em projeções incertas, gerando aumento de despesas e agravamento da crise financeira. Parlamentares cobraram responsabilidade do conselho administrativo por contratos assinados sem respaldo jurídico e reforçaram a necessidade de reformulação da estrutura de governança da instituição. “Não se pode mais fazer gestão com dinheiro que ainda não está na conta. Isso é caminho certo para o fracasso”, declarou um dos vereadores.
A Santa Casa segue em estado crítico, com salários de médicos atrasados há mais de oito meses e uma dívida total estimada entre R$ 70 e R$ 90 milhões. A expectativa da atual gestão é que os cortes e renegociações iniciados pela nova diretora administrativa possam reverter esse quadro e restaurar a confiança da sociedade na instituição.
Fonte: Da Redação