POLÍTICA

Como eles pretendem governar o país?

Como o próximo governo irá resolver o grave problema da segurança pública no país? De que forma o sucessor de Lula vai acabar com o analfabetismo no Brasil? Como o vencedor destas eleições presidenciais irá levar saneamento básico para todos? Às vésperas do primeiro turno das eleições, perguntas como essas permanecem sem resposta. Para especialistas, isso mostra que, mais uma vez, o processo eleitoral brasileiro não priorizou o debate de ideias.
Cientistas políticos ouvidos pelo Congresso em Foco avaliam que a campanha eleitoral deste ano está marcada pela carência de propostas concretas para áreas importantes como segurança, educação e saúde. Os especialistas afirmam que candidatos à Presidência da República propõem aumentos salariais, ampliação de programas sociais, construção de escolas e postos de atendimentos, mas não apontam como atingir esses objetivos nem detalham as propostas.
“Os candidatos prometem coisas semelhantes. Todos dizem que vão melhorar a saúde, que vão melhorar a educação, mas não explicam como. Toda eleição é assim, ninguém fala nada de propostas, fica só em idéias vagas”, critica o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Nascimento.
A falta de debate sobre propostas está mais acentuada neste ano se comparada a eleições anteriores, na avaliação do cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. Fleischer critica que, diferentemente de outras disputas eleitorais, os candidatos à Presidência neste ano sequer priorizaram a divulgação dos programas oficiais de governo.
A quatro dias das eleições, a candidata que lidera as pesquisas de intenção de voto, Dilma Rousseff (PT), ainda não divulgou suas propostas. Segundo sua assessoria, não há previsão de data para a publicação do programa de governo da petista, o que não deve ser feito antes do primeiro turno no próximo domingo (3). Ou seja: a confiar na maioria das pesquisas eleitorais, Dilma provavelmente será eleita sem detalhar de que forma pretende governar o país. Em socorro dela, pode-se alegar que o segundo colocado nas pesquisas, José Serra, do PSDB, também não priorizou a divulgação das suas propostas. O programa de governo de Serra só foi divulgado no site do candidato no último fim de semana.
“Este ano, as propostas de governo estão sendo menos debatidas do que em eleições anteriores. A campanha parece estar mais baseada em acusações e isso tira o foco do debate de ideias. Isso é ruim para o eleitorado, pois acarreta em menos informações para poder decidir em quem votar”, avaliau Fleischer.

Propostas genéricas

Para o cientista político João Trajano de Lima, do departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), faltam propostas consistentes para temas fundamentais como segurança pública. Na avaliação do cientista, as propostas “genéricas” dos candidatos demonstram pouco domínio dos presidenciáveis em relação a temas fundamentais para a sociedade brasileira.
As poucas propostas de segurança pública apresentadas até hoje são muito fracas e genéricas. A gente não tem muito com o que se animar no que diz respeito a perspectivas de melhorias em relação a esse tema. A não ser que mude algo e que quem assumir o governo traga novas iniciativas”, considerou.
Em seus discursos, os principais candidatos à Presidência admitem que a falta de segurança é um grave problema no país. Como proposta, o candidato do PSDB defende a criação do Ministério de Segurança Pública, enquanto Dilma diz que irá implantar 2,8 mil postos de polícia comunitária, e a candidata do PV, Marina Silva, propõe adequar os salários dos policiais.
“As propostas são genéricas. E a impressão é que este é o processo eleitoral mais fraco do ponto de vista de propostas para segurança se comparado às três últimas eleições federais”, considerou Trajano.

Falta interesse

Para Nascimento, os candidatos não priorizam propostas, porque programas de governo não seduzem o eleitorado brasileiro. O cientista político defende que o eleitor brasileiro não está interessado em saber detalhes dos programas de governo e que acha chato debater especificidades como, por exemplo, como construir o trem-bala.
“A cultura política do país privilegia o embate entre candidatos, ao invés de propostas. O que atrai o eleitor brasileiro é a biografia do candidato e a particularidade dele em falar bem. O brasileiro vota em pessoas, e não em propostas. Por isso, não conseguimos ter um sistema de partidos razoável. As pessoas votam em fulano e beltrano. Quem sabe qual é a legenda do Tiririca?”, afirmou, referindo-se ao palhaço que pode eleger-se deputado federal em São Paulo pelo PR.
Na avaliação de Trajano, o eleitor brasileiro “não funciona de forma muito diferente de eleitores de outras democracias razoavelmente consolidadas”. O professor da Uerj avalia que o eleitorado no Brasil está atento a questões que lhe dizem respeito mais diretamente e, a seu modo, está atento às propostas.
“O eleitor brasileiro funciona atento às questões que têm mais apelo sobre ele e associa essas questões a quem mais representa esses temas. Não é que seja um eleitor absolutamente individualista, mas também não é um eleitor altruísta, assim como em qualquer lugar do mundo”, considerou.

Tentativa

No início do processo eleitoral, o Congresso em Foco, por sugestão do jornalista José Carlos Salvagni, lançou aos eleitores um desafio: construir um texto com compromissos mínimos para os candidatos à Presidência da República. A ideia era estabelecer um laboratório da democracia por meio da Etherpad, uma plataforma que permite discussão coletiva de uma proposta, onde seriam articuladas propostas básicas para serem encaminhadas aos presidenciáveis. Embora não tenha tido a repercussão que inicialmente se esperava, alguns leitores aceitaram o desafio e discutiram uma agenda mínima de compromissos para os candidatos.

Veja o texto discutido na Etherpad

Combate absoluto à corrupção, utilização racional dos recursos públicos sem desperdício, valorização do papel fiscalizador do poder Legislativo e ações efetivas para resolver o problema da segurança pública foram os principais compromissos apontados. A iniciativa, no entanto, teve pouca adesão dos eleitores e não pode resultar em entrega da pauta de compromisso aos presidenciáveis. Ainda assim, a iniciativa pode ser considerada como um exercício da democracia e um início da construção de um processo eleitoral mais participativo.

Fonte:Congresso em foco (Renata Camargo)

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