EUA pode suspender parcerias e cortar recursos se houver tentativa de golpe no Brasil

Na semana passada, parlamentares americanos adicionaram mais um elemento à lista recente de advertências que tanto o Congresso dos Estados Unidos quanto o governo do presidente Joe Biden têm enviado ao Brasil sobre a eleição no país.Trata-se de uma emenda, entre mais de mil, incluída no projeto de Orçamento americano, que, se aprovada, prevê a suspensão de parcerias e corte de recursos americanos destinados às Forças Armadas brasileiras, caso elas abandonem a neutralidade política nos próximos meses.
A motivação teria sido "sinais preocupantes" observados pelos parlamentares americanos de que os militares brasileiros estariam dispostos a participar do processo político-eleitoral, o que, argumentam os deputados americanos, seria um fator de instabilidade para a América Latina e para os interesses de segurança nacional dos EUA.
A iniciativa é vista como uma mensagem importante. Ela seria menos uma peça legislativa e mais um recado de que os desdobramentos eleitorais no Brasil seguem sendo analisados de perto pelos americanos.
A administração Biden e boa parte do partido democrata, no entanto, tenta se equilibrar na linha tênue entre demonstrar atenção a um pleito que tem sido descrito por eles como "contencioso" e deixar claro que não estão dispostos a intervir de nenhuma maneira no processo eleitoral, que deve "ser feito por brasileiros, para os brasileiros" e seguir seu curso programado.
ELEIÇÕES LIVRES
A proposta de emenda se junta a uma lista de ao menos outras quatro manifestações públicas feitas nos últimos dois meses que indicam uma atenção próxima de autoridades americanas ao processo eleitoral brasileiro.
Primeiro, houve a revelação, pela Reuters, de uma conversa entre o chefe da CIA (agência de inteligência dos EUA), William Burns, e auxiliares de Jair Bolsonaro (PL) em que Burns recomendava que o mandatário brasileiro deixasse de questionar as eleições brasileiras. A conversa, a portas fechadas, teria acontecido em outubro de 2021.
Bolsonaro e seus ministros negaram que ela tenha acontecido e disseram que seria "extremamente deselegante" que o chefe da CIA viesse dar "recado" no Brasil. A própria CIA não comentou o assunto.
Uma semana depois, em entrevista à BBC News Brasil a subsecretária de Estado dos EUA, Victoria Nuland, afirmou que "o que precisa acontecer são eleições livres e justas, usando as estruturas institucionais que já serviram bem a vocês (brasileiros) no passado".
Com isso, ela explicitava a posição dos americanos contrária a qualquer tipo de intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral, como defende o presidente Bolsonaro.
"Foi a declaração mais forte do governo americano sobre como se preocupa e avalia a situação", afirma o brasilianista Brian Winter, editor-chefe da revista Americas Quarterly.
DEMOCRACIA
Ainda em maio, senadores americanos descreveram Bolsonaro como um "líder que tenta minar a democracia" apontaram "retrocessos democráticos no país", durante a sabatina da apontada por Biden para assumir a embaixada americana no Brasil, Elizabeth Bagley.
"Você está indo para um país onde o retrocesso democrático é uma preocupação real. Estamos preocupados com o atual líder do Brasil, que tem tentado minar a essência do processo eleitoral", afirmou o senador democrata Bob Menendez, de New Jersey, e presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
Em outra intervenção, Menendez citou o presidente pelo nome: "Bolsonaro tem tentado enfraquecer o processo eleitoral. Que medidas podemos tomar para apoiar a integridade e o resultado democrático das eleições?".
Bagley, escolha política de Biden que falhou em ser chancelada pela Comissão e pode ter sua indicação retirada pelo governo, criticou diretamente o presidente brasileiro, embora tenha feito ressalvas sobre a qualidade das instituições do país.
"Bolsonaro tem dito muitas coisas, mas o Brasil tem sido uma democracia, tem instituições democráticas, Judiciário e Legislativo independentes, liberdade de expressão. Eles têm todas as instituições democráticas para realizar eleições livres e justas. Eu sei que não será um processo fácil, por todos os comentários dele (Bolsonaro), mas, a despeito disso, temos todas essas instituições e continuaremos expressando confiança e expectativa de uma eleição justa", disse Bagley.
"A palavra em voga sobre Brasil em Washington é preocupação. Não é à toa que temos visto esses vazamentos e declarações. A administração Biden tem deixado clara as suas preocupações publicamente", diz à BBC News Brasil Nick Zimmerman, consultor sênior do Brazil Institute, do Wilson Center, e ex-auxiliar da Casa Branca para política externa na gestão de Barack Obama (2009-2017).
Zimmerman foi anfitrião do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin que, na semana passada, deu uma palestra em Washington na qual disse que "nós poderemos ter um episódio ainda mais agravado do 6 de janeiro daqui do Capitólio".
Em transmissão ao vivo nas suas redes sociais, em 8 de julho, Bolsonaro atacou o sistema eleitoral de urnas eletrônicas e declarou que os eleitores "sabem como se preparar" antes das eleições.
"Não preciso dizer o que estou pensando, mas você sabe o que está em jogo. Você sabe como você deve se preparar, não para o novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições", disse o presidente aos apoiadores durante a live.
A declaração gerou preocupação entre os que temem atos antidemocráticos antes ou depois da eleição, embora o presidente não tenha especificado a que ele se refere quando diz que os eleitores "sabem o que têm que fazer" antes do pleito.
"O governo Biden está preocupado com a possibilidade de uma ruptura institucional e vê com clareza a possibilidade de um 6 de janeiro no Brasil, que poderia acontecer até mesmo antes das eleições de outubro", afirma Winter. Segundo ele, a possibilidade de que Bolsonaro tente adiar o pleito de outubro está no radar das autoridades em Washington.
"Se Bolsonaro se convencer de que não tem como ganhar nas urnas, vai tentar paralisar o processo", diz Winter. As atuais pesquisas eleitorais mostram o presidente em segundo lugar, cerca de dez pontos percentuais atrás do primeiro colocado, o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Da Redação (com informações da BBC Brasil)