Número de trabalhadores com reajuste abaixo da inflação aumentou 5 vezes em 3 anos

Um levantamento divulgado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) mostra que de 2018 a 2021 o número de trabalhadores que não conseguiram aumentos acima da inflação aumentou mais de cinco vezes no Brasil – subindo de 9% para 47%. Parte desse arrocho é explicada pela pandemia de Covid-19, que começou em 2020. Mas, conforme os analistas, as principais causas são a volta da inflação acelerada e a lenta retomada da economia.
Os dados mostram que em 2021 apenas 15% dos reajustes negociados resultaram em ganhos reais (acima da inflação). Outros 47% dos acordos ficaram abaixo do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que serve de referência para reajustes salariais, enquanto 38% tiveram correções exatamente conforme a inflação (nem ganharam nem perderam).
Os percentuais contrastam com o cenário antes do início do governo Bolsonaro. Em 2018, ainda no governo de Michel Temer, 75% dos reajustes ficaram acima da inflação, enquanto 9% não repuseram as perdas. Outros 16% tiveram reajustes iguais ao INPC.
Em 2022 o quadro geral piorou ainda mais. Conforme os dados mais recentes do Dieese, em fevereiro 61% dos reajustes ficaram abaixo da inflação, considerando 119 acordos coletivos com data-base naquele mês. Outros 24% ficaram acima do INPC acumulado e apenas 15% compensaram a inflação.
Os números do Dieese são atualizados a cada mês, conforme a data-base de negociação de cada categoria. Isso significa que, se uma categoria com data-base em fevereiro fechar acordo apenas nos meses seguintes, o resultado é computado no mês de fevereiro posteriormente, o que pode alterar o porcentual atual.
Na prática, o que se viu nos últimos anos foi uma inversão de tendência, com os trabalhadores perdendo poder de compra de seus salários. Os reajustes abaixo da inflação, que antes eram exceções, tornaram-se comuns nas empresas.
“A ausência de crescimento econômico e de um projeto de desenvolvimento tem levado ao crescimento do desemprego e à precarização do mercado de trabalho. Mais recentemente, de 2021 para cá, houve crescimento da inflação, o que torna a reposição salarial ainda mais difícil”, explica o economista Antonio Corrêa de Lacerda.
EMPRESAS
Além dos dados já consolidados, a expectativa ruim em relação ao futuro também afeta negativamente as negociações salariais. Conforme o economista Renan Gomes de Pieri, professor da FGV/Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas), as empresas ainda estão inseguras.
“As empresas estão mais pessimistas em relação ao crescimento econômico neste ano e no ano que vem. Se a percepção é ruim, é natural que elas procurem segurar os salários dos trabalhadores. Além de não haver segurança sobre o que vem pela frente, as empresas têm passivos grandes. Muitas tiveram que se endividar na pandemia para manter operações”, diz Renan Pieri.
Outro fator que pesa nas negociações salariais é o avanço mais recente da inflação. O INPC acumulado em 12 meses, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), tem superado os 10%.
Variação do INPC em 12 meses:
Agosto de 2021: +10,42%
Setembro de 2021: +10,78%
Outubro de 2021: +11,08%
Novembro de 2021: +10,96%
Dezembro de 2021: +10,16%
Janeiro de 2022: +10,60%
Fevereiro de 2022: +10,80%
"Quanto maior for a taxa de inflação, maior a distorção que ela causa na economia. Embora muitas empresas reajustem seus preços na média dos 10% de inflação, muitas delas não conseguem reajustar ou demoram a fazer isso", afirma Pieri.
DESEMPREGO
Outro fator que tem prejudicado os trabalhadores nas negociações salariais é o desemprego elevado. O economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), afirma que esta situação favorece as empresas nas negociações.
Os dados do IBGE indicam que, no quarto trimestre de 2021, o Brasil tinha 12 milhões de desempregados e outros 4,8 milhões de desalentados (pessoas que gostariam de trabalhar, mas que não procuraram emprego por achar que não encontrariam).
"A soma de desocupados, desalentados e subocupados no Brasil chega a 29 milhões de pessoas", diz Lacerda. "Ou seja, a oferta e a procura, base para formação do preço do trabalho, é francamente favorável ao empregador. Isso diminui muito a força de negociação do trabalhador e dos sindicatos."
Para Pieri, da FGV, a situação não vai se alterar no curto prazo. "A recomposição de salários vai levar alguns anos. E isso tem tudo a ver com a baixa expectativa de crescimento do país", afirma.
"Só quando as empresas tiverem que competir por trabalhadores é que teremos reajustes expressivos."
Da Redação (com informações do UOL)



