PEC da Blindagem aprovada na Câmara, se passar pelo Senado, pode se estender a deputados estaduais
Proposta pode estimular efeito cascata e comprometer combate à corrupção em diferentes esferas do poder

Aprovada pela Câmara dos Deputados em dois turnos na última terça-feira (16), a chamada PEC da Blindagem (PEC 3/2021) segue agora para análise no Senado. A proposta, que retoma o voto secreto e exige autorização prévia do Congresso para abertura de processos criminais contra deputados e senadores, tem gerado forte reação de juristas, entidades da sociedade civil e órgãos de fiscalização.
Especialistas avaliam que, se aprovada, a medida representará um retrocesso significativo na luta contra a corrupção, especialmente no uso de emendas parlamentares, que hoje movimentam bilhões de reais do orçamento público. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Transparência Internacional destacam que a PEC favorece a impunidade, restringe a transparência e pode ampliar práticas de autoproteção política.
O orçamento de 2025 destinou R$ 50 bilhões em emendas, valor semelhante ao previsto para 2026. Essas verbas têm sido alvo de investigações por falta de rastreabilidade e suspeitas de desvios, em especial nas chamadas “emendas Pix”, modalidade de transferência direta a municípios sem critérios técnicos claros.
Para o diretor do MCCE, Luciano Santos, a PEC tem como pano de fundo justamente a pressão sobre parlamentares investigados por irregularidades. Segundo ele, o objetivo principal é blindar políticos diante das investigações sobre emendas, retirando do Judiciário o poder de autorizar processos contra congressistas.
Juristas e analistas políticos alertam que, caso a PEC da Blindagem seja aprovada no Senado e incorporada à Constituição, assembleias legislativas estaduais podem tentar adotar mecanismos semelhantes para proteger deputados estaduais de investigações.
Embora a proposta em análise no Congresso se restrinja a parlamentares federais, o receio é de que a aprovação sirva como precedente para a reprodução do modelo em nível estadual, ampliando o alcance da impunidade e dificultando a fiscalização do uso de recursos públicos em diferentes esferas.
A proposta é considerada “reprovável e inconstitucional” por juristas como Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, e por entidades como o Instituto Não Aceito Corrupção. Para eles, a PEC cria uma “casta de intocáveis” e fere diretamente o princípio da isonomia previsto na Constituição.
A Transparência Internacional lembrou que, entre 1998 e 2001, período em que vigorou regra semelhante, o Congresso barrou 253 pedidos de investigação contra parlamentares, autorizando apenas um.
No Senado, onde a proposta precisa de 49 votos favoráveis para ser aprovada, a tramitação deve enfrentar resistências. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Otto Alencar (PSD-BA), já declarou ser contra a PEC, afirmando que a medida afronta o princípio da igualdade perante a lei e a confiança da população nas instituições democráticas.
Além de aprofundar a desconfiança da sociedade sobre a classe política, a PEC reacende a disputa entre Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF), que nos últimos anos tem atuado em investigações de emendas e bloqueado repasses bilionários suspeitos. Só em 2024, foram suspensos R$ 4,2 bilhões em emendas.
Na avaliação de juristas, a proposta representa uma tentativa de enfraquecer o Judiciário e consolidar a autodefesa do Parlamento. Eles apontam que muitos parlamentares estão envolvidos em ações suspeitas relacionadas ao pagamento de emendas, o que reforça a tendência de autoproteção mútua.
Se confirmada no Senado, a PEC da Blindagem não apenas limitará investigações criminais contra deputados e senadores, como também poderá abrir caminho para que assembleias estaduais sigam a mesma lógica, blindando seus próprios membros.
Na prática, isso significaria um sistema político mais fechado e resistente ao controle social, ampliando o risco de desvios e enfraquecendo mecanismos de combate à corrupção em todo o país.
Fonte: Da Redação