AGROPECUÁRIA

Plantas mutantes criadas no espaço aumentam produção de agricultores chineses

À primeira vista, elas são idênticas a qualquer outra planta de trigo balançando ao vento, em qualquer parte do mundo. Mas os vastos campos de produção no nordeste da China não abrigam plantas comuns — elas foram criadas no espaço sideral.

Elas são de uma variedade chamada Luyuan 502 e são o segundo tipo de trigo mais cultivado na China. As plantas cresceram de sementes que orbitaram a Terra a 340 km acima da superfície.

Nesse ambiente único com baixa gravidade e fora do campo magnético protetor da Terra, elas sofreram mudanças sutis no seu DNA que forneceram novas qualidades, aumentando sua tolerância à seca e sua resistência a certas doenças.

As plantas são um exemplo de um crescente número de novas variedades de safras alimentícias importantes, que estão sendo criadas em espaçonaves e estações espaciais em órbita do nosso planeta. Elas são submetidas à microgravidade e bombardeadas por raios cósmicos, que causam mutações das plantas — um processo conhecido como mutagênese espacial.

Embora algumas das mutações deixem as plantas incapazes de crescer, outras podem ser vantajosas. Algumas se tornam mais rígidas e capazes de suportar condições extremas de crescimento, enquanto outras produzem mais alimento com uma única planta, crescem com mais rapidez ou precisam de menos água.

Quando trazidas de volta para a Terra, as sementes dessas plantas cultivadas no espaço são cuidadosamente selecionadas e adicionalmente cultivadas, para criar versões viáveis de alimentos populares.

Em um mundo com pressão cada vez maior sobre a agricultura devido às mudanças climáticas e a cadeias de fornecimento vulneráveis, que evidenciaram a necessidade de cultivar os alimentos mais perto do seu local de consumo, pesquisadores agora acreditam que o cultivo no espaço pode ajudar a adaptar a produção agrícola a esses novos desafios.

"A mutagênese espacial gera belas mutações", segundo Liu Luxiang, o principal especialista em mutagênese espacial da China e diretor do Centro Nacional de Mutagênese Espacial para Aprimoramento da Produção Agrícola do Instituto de Ciências da Produção da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas, na capital da China, Pequim.

A variedade Luyuan 502, por exemplo, tem rendimento 11% maior que a variedade de trigo padrão cultivada na China, melhor tolerância à seca e maior resistência às pragas mais comuns do trigo, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, que coordena a cooperação internacional no uso de técnicas de irradiação para criar novos tipos de produtos agrícolas.

"[A Luyuan 502] é uma história real de sucesso", afirma Liu. "Ela tem um potencial muito grande de produção e adaptabilidade. Pode ser cultivada em muitas áreas diferentes, sob condições distintas."

Essa adaptabilidade é que torna a Luyuan 502 um sucesso tão grande entre os agricultores no panorama agrícola amplamente diversificado da China, com suas grandes variações de clima.

Ela é apenas uma dentre mais de 200 variedades agrícolas que sofreram mutação no espaço, criadas pelos chineses nos últimos 30 anos, segundo Liu. Além de trigo, cientistas chineses produziram arroz, milho, soja, alfafa, gergelim, algodão, melancias, tomates, pimentões e outros vegetais cultivados no espaço.

UTILIDADE
As sementes são enviadas em viagens que duram desde apenas quatro dias até vários meses. Nesse ambiente incomum, diversas mudanças podem acontecer nas sementes e nas plantas.

Em primeiro lugar, a radiação cósmica e solar de alta energia pode prejudicar o material genético das sementes, gerando mutações ou aberrações cromossômicas que são transmitidas para as gerações futuras.

O ambiente de baixa gravidade também pode gerar outras mudanças. Plantas que germinam e são cultivadas em microgravidade exibem mudanças do formato celular e da organização de estruturas no interior das próprias células.

Na maioria dos casos, os cientistas chineses enviam as sementes para o espaço e as germinam quando elas voltam para a Terra. As mudas são então selecionadas de acordo com características úteis que forneçam vantagens sobre variedades de safras mais tradicionais.

Os cientistas estão buscando mudanças que gerem frutos maiores, reduzam a necessidade de irrigação, melhorem os perfis de nutrientes, aumentem a resistência a alta ou baixa temperatura ou aumentem a resiliência contra doenças. Em alguns casos, mutações raras podem gerar reviravoltas na produção ou na resistência das plantas.

As plantas mais promissoras são cultivadas, até que os pesquisadores consigam uma variante substancialmente aprimorada que possa atender às necessidades dos agricultores.

Mas a China, que é atualmente a líder na mutagênese espacial, não foi o primeiro país a fazer experiências com o cultivo no espaço. Essa técnica vem de experimentos iniciais conduzidos por cientistas soviéticos e americanos, utilizando células de cenouras lançadas em órbita, a bordo do satélite soviético Kosmos 782.

Essa abordagem depende dos mesmos princípios da mutagênese nuclear, que existe desde o final dos anos 1920. A mutagênese acelera os processos de mutação natural do DNA dos organismos vivos, expondo-os à radiação.

Mas, enquanto a mutagênese nuclear usa raios gama, raios X e feixes de íons de fontes terrestres, a mutagênese espacial baseia-se no bombardeio por raios cósmicos espalhados pelo espaço em volta do nosso planeta.

Na Terra, nós somos protegidos desses raios de alta energia pelo campo magnético do planeta e pela sua espessa atmosfera. Mas, em órbita, os satélites e aeronaves são expostos constantemente a essa radiação, vinda principalmente do Sol.

A mutagênese nuclear e espacial pode ajudar a reduzir até pela metade o tempo de desenvolvimento de novas variedades agrícolas, segundo Shoba Sivasankar, chefe do grupo conjunto de Genética e Cultivo Vegetal da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).

Os laboratórios nucleares da IAEA em Seibersdorf – a 35 km a sudeste de Viena, na Áustria – são o centro mundial e local de treinamento da mutagênese nuclear. Países que cooperam com o projeto, mas não possuem suas próprias instalações nucleares, enviam suas sementes, cortes ou mudas para irradiação pela equipe de Sivasankar.

"Leva apenas dois minutos para irradiar as sementes, mas é necessário conhecimento e especialização", afirma Sivasankar.

"Cada variedade possui uma tolerância diferente. Se você der às sementes uma dose alta demais ou as mantiver dentro do irradiador por tempo demais, você as destrói. Elas não irão germinar. Se você não der radiação suficiente, você não irá gerar mutações suficientes e acabará tendo uma geração com a mesma aparência da anterior", segundo ela.

 

Da Redação (com BBC Brasil)

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