Ignorância e incompetência: grandes aliadas do Coronavírus

0
25

Mesmo em países super desenvolvidos ainda tem muita gente ignorante, descuidada e que não acredita que o coronavírus exista e, pior do que isso, não acredita que este virus é letal e pode ser transmitido para as pessoas que teimam em se aglomerar.

 

Todas as comunidades médicas, cientistas, gestores públicos e governantes responsáveis e conscientes, com algumas excessões como Trump, Bolsonaro, Boris Johnson e alguns ditadores de ex Repúblicas Soviéticas, e diversos governadores, prefeitos e empresários obscurantistas, repito, com essas excessões, tem enfatizado que as únicas maneiras de se evitar a proliferação deste virus e novos contágios pelo Coronavirus, é atraves do isolamento social/distanciamento social, uso de máscaras e práticas higiênicas como lavar as mãos e outros cuidados para combater o covid 19.

 

Pois bem, conforme notícia da imprensa de hoje (26/06/2020), em Dallas, no Texas (EUA) uma família resolveu ignorar todas essas recomendações e realizar uma "festinha" familiar para comemorar um aniversario, prática tão comum em tempos chamados normais, antes que esta pandemia chegasse a todos os paises e cantos do mundo, mas altamente perigosa em meio `a pandemia do coronavirus.

 

Resultado, 18 pessoas contrairam o virus e deverão pagar caro por esta ignorância e negligência, com sofrimento, muitos gastos financeiros e, quem sabe, até algumas mortes naquela familia.

 

Fatos como este e outros que provocam aglomerações, multiplicam-se, com muita frequência, em todos os paises, inclusive no Brasil, que, mesmo em meio `a expansão da pandemia, com o número de pessoas infectadas e de mortes tem crescido, praticamente em todos os Estados e na grande maioria dos municipios.

 

Tanto nos EUA quanto no Brasil já tem ocorrido diversas casos de contágios e até de mortes pelo coronavirus em pastores, sacerdotes e fiéis de igrejas que teimaram e ainda teimam em abrir as portas de seus templos.

 

No Brasil, por decreto de Bolsonaro, por exemplo, as igrejas são consideradas atividades essenciais e isto também tem facilitado o contágio, infecção e até mortes.

 

Há poucos dias a imprensa brasileira noticiou que dos 27 jogadores de um time Famoso de futebol de São Paulo, ao serem testados para o coronavirus constatou-se que 21 dos mesmos estavam infectados, ou seja, nada menos do que 77,8% do total estavam com o virus.

 

Bem no inicio da pandemia, quando de uma viagem aos EUA a comitiva do Presidente Bolsonaro, ao retornar ao Brasil foi noticiado que 22 dos integrantes da comitiva, com excessão do Presidente (estranhamente), praticamente todos foram infectados e, com certeza, ajudaram a “espalhar” o virus em seus entornos rotineiramente.

 

Diversos frigoríficos em vários estados tem se convertido em focos de contagio e motivado diversas medidas de controle, conforme frequentes noticias veiculados nos mais diferentes veiculos de comunicação.

 

Pessoas contaminadas, tanto as sintomáticas e também as chamadas assintomáticas (aquelas que não demonstram nenhum sinal de estarem infectadas com o coronavirus) podem transmitir a COVID19 para amigos, parentes, inclusive integrantes dos grupos de risco como idosos ou  pessoas que, mesmo não sendo idosas, façam parte de grupos com certas comorbidades, como diabetes, problemas renais, pacientes em tratamento de cancer, HIV, fumantes, obesos, pessoas que sofrem de alguma doença cardiovascular.

 

De acordo com estudos da OMS as pessoas idosas, com poucas excessões, são portadoras de uma, duas ou até mais doenças crônicas, algumas degenerativas e incuráveis, as quais passam a ter comorbidades e apresentarem maiores taxas/indices de mortalidade. Na Europa, por exemplo, a população com 60 anos ou mais representam “apenas” 24% do total da população, sendo que o grupo com 65 anos e mais represntava em 2019 em torno de 19%. No entando no total de mortes por coronavirus em torno de 90% tem 60 anos ou mais.

 

Esta mesma tendência deve ser observada tanto nos EUA quanto no Brasil e nos demais paises. São idosos e idosas que, mesmo em isolamento social/distanciamento social, muitas vezes acabam sendo contaminadas por familiars que não observam as normas indicadas para evitar que o coronavirus se espalhe ainda mais.

 

Dia e noite médicos, infectologistas, estudiosos das doenças de massa e contagiosas, pneumologistas, pesquisadores e outros profissionais da área da saúde, além de gestores públicos que usam o bom senso e conhecem a realidade epidemiológica brasileira, tem enfatizado alguns aspectos importantes como:

 

a) a única estratégia para conter o avanço do coronavirus é o distanciamento social/isolamento social e o uso de máscaras e praticas higienicas;

 

b) os sistemas de saúde em geral e particularmente o SUS estão falidos, não existem leitos, principalmente leitos de UTIs e respiradores suficientes na maior parte dos estados e dos municipios, para fazer face ao aumento rápido, contínuo e acelerado de novos casos;

 

c) existe, em todos os lugares, todos os estados, principalmente nas cidades polos e capitais (já que as cidades menores e do interior nao possuem estrutura de saúde em condições de atender aos casos mais graves pois nao contam com leitos hospitalares em geral e muito menos leitos de UTI e respiradores), estão sendo formadas as FILAS DA MORTE, ou seja, doentes graves ficam `a espera de um leito de UTI e respiradores e acabam morrendo nessas filas, pois as vagas só são abertas com a recuperação ou morte de alguns doentes que estavam ocupando esses leitos.

 

Além desses alertas, no caso brasileiro, o que presenciamos é um verdadeiro PANDEMONIO, uma confusão geral, muita improvisação e o que podemos chamar de “bate cabeças” entre niveis de governo, no que concerne ao enfrentamento do coronavirus.

 

As autoridades/governantes não se entendem, não existe uma coordenação a nivel nacional, nem entre os estados e municipios, o que vemos é uma verdadeira balbúrdia, falta de transparência e falta de diretrizes que orientem corretamente as ações, parece um verdadeiro “exército brancaleone”.

 

O Presidente Bolsonaro, desde o inicio da pandemia joga contra, fazendo “gol contra” seu próprio time; cria conflitos com seus ministros da saúde, tendo demitido dois ministros da saúde em apenas um mes, em meio a esta pandemia e o terceiro, um general, sem nenhum preparo na área da saúde ocupa interinamente, há mais de um mes o ministério da saúde e ali colocou/nomeou diversos militares para ocuparem posicões que deveriam ser ocupadas por pessoal técnico e qualificado na área da saúde; os prefeitos estão em constantes conflitos com os governadores; o poder judiciario é provocado com frequência para dirimir esses conflitos  e as vezes essas decisões judiciais acabam em novos conflitos, gerando mais confusão na cabeça das pessoas.

 

Por exemplo, como aconteceu em recente decisão judicial que obriga as prefeituras de Cuiabá e Várzea Grande, o maior aglomerado urbano de Mato Grosso, a imporem quarentena obrigatória por duas semanas, tendo o Prefeito da Capital, atendendo interesses de setores econômicos do município, recorrido da decisão judicial, mas, graças ao bom senso, o Tribunal de Justiça negou o pleito do prefeito.

 

Outro aspecto decorrente da ignorância popular em relação ao CORONAVIRUS tem sido a quebra dos indices de isolamento social/distanciamento social e a falta de uso de máscaras. Neste sentido podem ser observadas praias lotadas, baladas, festinhas ou festonas clandestinas em sitios, pousadas ou clubes clandestinos, resultando em novos contágios e pressão sobre os sistemas de saúde ja falidos e mais mortes.

 

Além da ignorância popular, presente em todas as camadas sociais, econômicas e culturais, o coronavirus tem como outro aliados a incompetência e descaso governamental em todos os niveis, federal, estadual e municipal.

 

Bem antes da chegada do coronavirus o SUS já estava falado, em completo caos, deteriorando-se a olhos vistos todos os dias, crise nos hospitais públicos; crise nas santas casas de misericórida, crise em hospitais conveniados, gente sofrendo e morrendo nas filas fisicas ou virtuais, como ao longo de meses e anos a imprensa tem denunciado, ante o olhar passivo até de organismos de controle das ações publicas.

 

Nem a judicialização buscada por doentes e familiars tem conseguido demover os entraves burocráticos criados pela incompêtencia e descaso governamentais.

 

Esta falência, apesar de um certo esforço para dotar o Sistema de saúde de recursos necessários ao enfrentamento do coronavirus, incluindo construção de hospitais de campanha, aquisição de leitos por parte do SUS em hospitais particulares, mesmo assim, a corrupção na área da saúde continua, através de empresas fantasmas ou simulacros de empresas terceirizadas para gestão de unidades de saúde e servidores públicos, gestores e governantes corruptos.

 

Esta falência é constatada não apenas na falta de leitos, principalmente de UTIs e respiradores, mas também, como já acontecia e continua acontecendo, a falta de medicamentos, principalmente os necessários e imprescindíveis para o tratamento de pacientes em estados mais graves.

 

Também merece ser mencionado neste context a falta de pessoal capacidade para atuar na área da saúde publica.

 

Segundo denúncias recentes de diversas entidades representativas de setores da saúde, inclusive do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde, conforme veiculado pela imprensa, praticamente em todos os estados estão faltando esses medicamentos, o que coloca em sério risco a vida de quem esteja internado e entubado e em estado grave.

 

Outro fato vergonhoso, para não dizer criminoso, é a falta de transparência de dados e informações não apenas em relação aos números de pessoas infectadas e de mortes, mas também quanto ao número correto de leitos em geral e leitos de UTIs e respiradores em particular.

 

Um exemplo desta situação foi constatada em Mato Grosso onde o Tribunal de Contas do Estado ao realizar uma auditoria em 08 hospitais públicos em alguns  municipios, incluindo Cuiabá, Várzea Grande e mais quatro ou cinco municipios-polos do interior, foi constatado que o número de leitos informados pela Secretaria de Saúde do Estado e pelos hospitais e que é a base para o cálculo do estágio em que se encontra a pandemia no Estado e a capacidade de atendimento do Sistema público de saúde, volto a dizer, foi constatado que a realidade é bem pior, ou seja, não existem o total de leitos informados pelos gestores estaduais e municipais, isto não  é uma “pequena” falha, mas um verdadeiro crime contra a saúde publica.

 

Em uma auditoria realizada e divulgada publicamente há poucos dias pelo Ministro Vital do Rego do TCU (Tribunal de Contas da União) foi dito com todas as letras que o Governo Federal não tem uma estratégia coerente, eficaz e eficiente para coordenar e combater o coronavirus a nivel nacional. Isto é uma das causas de muita confusão e do avanço da pandemia pelo Brasil afora.

 

Em seu relatório, aprovado por unanimidade pelo TCU, o referido ministro faz uma critica mordaz e pede providências da Presidencia da República, inclusive no que conerne a Comissão responsável pela articulação daa ações, sob a coordenação do Ministro Chefe da Casa Civil, mencionando o fato (absurdo) de que na referida comissão não existem representantes de organismos de saúde, ou seja, todos os integrantes representam ministerios mas não existem representantes de Instituições de pesquisa em saúde, das Associações médicas em geral e muito menos de entidades representativas com  epidemiologistas, infectologistas e dos conselhos relacionados com a saúde como Conselhos Federais de Medicina, de enfermagem, de fisioterapia, de médicos intensivistas, ou seja, de quem, realmente entende de saúde pública

 

Isto não é surpresa pois tanto o Presidente Bolsonaro quanto boa parte de seus ministros e seguidores, os bolsonarianos, não acreditam no coronavirus e são contrários a todas as formas de isolamento social/distanciamento social, o uso de máscaras e práticas de higiene das mãos.

 

Basta ver as demonstrações do Presidente Bolsonaro que até bem pouco tempo andava sem mascara, provocava aglomerações, participava de manifestações anti-democráticas, estimulava conflitos com seu ministro da saúde, com governadores e prefeitos.

 

Finalmente, mais uma prova de incompetência e descaso de nossos governantes, a começar pelo Governo Federal e também de todos os governadores e prefeitos é a questão dos testes para diagnosticar se as pessoas já foram infectadas ou não pelo coronavirus e, enfim, conhecer em maior profundidade a extensão, a complexidade e gravidade da pandemia e sua expansão pelo territorio brasileiro.

 

Como já afirmado em outras reflexões, o Brasil ocupa a 151a. posição em número de testes por cem mil ou um milhão de habitantes. Estamos em pior situação, apesar de o Brasil ser o segundo país em numero de casos de pessoas infectadas pelo coronavirus e de mortes pelo mesmo, somos a décima ou nona economia do planeta, do que paises pobres da África, Ásia, Ámerica Latina.

 

Tres exemplos demonstram que esta falta de testagem em massa provoca a subnotificação dos casos de pessoas infectadas. O primeiro vem de uma pesquisa nacional realizada pela Universidade Federal de Pelotas em parceria com o IBOPE, cuja segunda fase da pesquisa  já foi concluida e ficou constatado que o número de casos do coronavirus é de sete vezes maior do que as estatísticas oficiais.

 

Outro vem de uma pesquisa da Prefeitura de Fortaleza em que foi constatada que esta subnotificação é de 14 vezes menor do que a realidade daquela capital e a terceira, vem de outra pesquisa feita pela prefeitura de São Paulo em que a subnotificação é de dez vezes.

 

Se tomarmos essas tres pesquisas e fizermos uma média ponderada, podemos concluir que o número de pessoas que já contrairam o coronavirus no Brasil é dez vezes maior do que os dados que são divulgados, ou seja, mais de 12 milhões de casos e esses números tendem a crescer rapidamente nas próximas semanas ou meses.

 

Enquanto o Brasil não promover uma grande testagem em massa , mais de 20 ; 30 ou 40 milhões de pessoas, não teremos condições de sabermos realmente a gravidade do coronavirus e, por consequência, não teremos condições de promover uma “abertura” ou volta das diversas atividades, sob pena de surgir uma segunda onda pior do que a primeira que estamos presenciando.

 

O que constatamos no momento é fruto desta falta de testagem em massa, com dados subnotificados, com informações nada transparentes e em certo sentido manipuladas pelos grupos que advogam o retorno de tudo `a “normalidade”, por pressão de alguns setores econômicos, preocupados, não com o desemprego ou miséria e pobreza que se agravará com a pandemia, (mas que já existiam há alguns anos e ninguém do governo ou do empresariado se importava), e o descumprimento de todas as recomendações de quem entende de pandemias que é a OMS e outras entidades médicas e científicas, abrindo praticamente tudo e agora ter que voltar atraz e decretar novamente quarentena obrigatoria, “lockdown” e outras medidas restritivas.

 

O Brasil teve tres meses para se preparar, enquanto a pandemia atingia violentamente paises europeus, Estados Unidos e outras regiões, mas o descaso, falta de coordenação inter governamental e inter institucional, a  improvisação e com ajuda da corrupção que ainda está entranhada em todas as esferas governamentais, principalmente na área da saúde, estamos perdendo o que chamam de “Guerra ao coronavirus”.

 

Nem a designação de um general no commando, não das tropas militares, mas da saúde publica, está conseguindo vencer esta Guerra a um inimigo invisível.

 

Muita gente imagina e acredita que o coronavirus poderia ser parte de uma Guerra bacteriológica, área bem conhecida, pelo menos teoricamente, pelas forças armadas da maioria dos países, inclusive do Brasil, dos EUA, dos países europeus, Rússia e China, mas para a qual, parece que os militares desses países não estavam e nem estao preparados. Imaginemos se o coronavirus fosse realmente fruto de uma Guerra bacteriológica, seriamos derrotados fragorosamente.

Os últimos números de ontem (25/06/2020), relativos ao Brasil, mesmo com a subnotificação, chegaram a 1.180 novos casos de morte nas últimas 24 horas, totalizando 55.054 vidas ceifadas e nada menos de que 40.673 novos casos de pessoas infectadas em 24 horas, um novo record nesta triste realidade, totalizando 1.233.147 casos, conforme dados do Consórcio de alguns dos maiores orgãos de imprensa do país.

 

Pelo que se vê e pelo que ainda está por vir o coronavirus não é apenas uma “gripezinha” ou “resfriadinho” como disse o Presidente Bolsonaro, de forma afoita e irresponsável, quando do inicio da pandemia no Brasil, é a maior crise sanitária que tem se abatido no mundo e no Brasil em um século.

 

Para algumas pessoas, atitudes como esta tanto por parte do Presidente quanto de governadores, prefeitos , empresários, dirigentes esportivos, próceres religiosos e outras pessoas além de representar um descaso com o sofrimento e morte de tantas pessoas, é, também, uma atitude criminosa, pois representa omissão diante de uma pandemia, cuja gravidade e alerta vem sendo enfatizada por diversas organismos de saúde, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e também um estímulo para comportamentos de milhões de pessoas que acreditam nessas autoridades, cujos exemplos acabam estimulando aglomerações, infectando-se e infectando muitas outras pessoas, inclusive seus entes queridos, entre os quais idosos/idosas, os mais frágeis e vulneráveis.

 

Vivemos um tempo especial e grave, o coronavirus não é brincadeira, nem uma simples gripe ou uma doença para a qual haja vacina ou medicamentos. Coronavirus impõe sofrimento e morte, cabe a cada pessoa defender sua própria vida e a vida das demais pessoas, a comecar por seus familiares, vizinhos e colegas de trabalho, se assim não ocorrer, vamos ter que conviver com esta pandemia e suas graves consequências econômicas, financeiras, aumento da pobreza, da miséria e do sofrimento por muito tempo.

 

Juacy da Silva é professor universitário, fundador, titular e aposentado UFMT.