Impunidade, omissão e conivência

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Um jornal de grande circulação nacional, em seu caderno especial sobre a Natureza, nesta última sexta feira, 13 de setembro, trouxe uma reportagem/matéria especial, com fotos, com o titulo “Justiça não condena nenhum desmatador da Amazônia investigado pelo MPF nos últimos cinco anos”, tendo como base informações de autoridade que tem conhecimento de causa e responsabilidade pelo que disse.

Essas informações foram transmitidas ao repórter que elaborou a matéria estampada tanto no jornal impresso quanto veiculado em um noticiário televisivo, com grande audiência no horário nobre, da seguinte maneira “Procurador do Ministério Público Federal da força-tarefa da Amazônia diz que impunidade estimula a prática de crimes na região. Desde 2014 já foram feitas 10 grandes operações, mas ninguém foi preso.”

Apesar disso, sempre que pode o Presidente Bolsonaro, seus ministros e alguns governadores criticam leis ambientais e a fiscalização dizendo que são práticas xiitas, caça níquel, fonte de corrupção e coisas do gênero e que tais organismos que deveriam fiscalizar estão infiltrados e aparelhados ideologicamente e cheios de pessoas que atrapalham o desenvolvimento, inimigas do agronegócio e outras atividades econômicas.

Diante disso e de tudo o que está acontecendo com o meio ambiente e a gestão pública no Brasil, a única conclusão a que podemos chegar é que está havendo muita impunidade e também grande omissão e conivência por parte de algumas autoridades e organismos públicos criados exatamente para proteger o meio ambiente e garantir a sustentabilidade, como um dos pilares do desenvolvimento nacional.
Essas são as verdadeiras causas e não apenas a falta de chuvas, de tanto desmatamento e queimadas no Brasil afora, que está, literalmente em chamas, não apenas na Amazônia e no cerrado, os dois maiores biomas do país, mas em todos os demais biomas: Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica (praticamente já extinta) e nos pampas.

Além de uma legislação ser bastante frouxa e que pouco ou nada punem quando dos crimes ambientais ( vide casos de Cubatão, Mariana, Brumadinho, Barcarena e de tanto desmatamento e queimadas ilegais), o sucateamento dos organismos federais, estaduais e municipais de fiscalização ambiental, a lentidão das providências por parte do sistema judiciário eivado de tantas manobras protelatórias que acabam facilitando a extinção da maioria das ações e multas aplicadas, demonstram aos criminosos ambientais: madeireiros, garimpeiros, mineradoras, grileiros e invasores de terras particulares e públicas, como parques nacionais, terras indígenas e reservas florestais, APAs, nascentes de córregos e rios, e seus parceiros, gestores corruptos nos organismos públicos, que o CRIME AMBIENTAL É COMPENSADOR para seus lucros imediatos.

Mesmo com esta frouxidão e com um tantos desmatamentos e queimadas que estão cada vez mais chamando a atenção do mundo e impondo sacrifício para a população, afetando a saúde pública, degradando o solo, acabando com a biodiversidade, todos os dias assistimos reportagens, noticias ou vemos imagens que chocam qualquer ser humano, enfim, denegrindo a imagem do Brasil interna e internacionalmente.

Repito, mesmo assim, nossos governantes, vem fazendo coro com o OBSCURANTISMO AMBIENTAL de alguns setores, ao redor do mundo, que não acreditam que as MUDANÇAS CLIMÁTICAS estão acontecendo e que o aquecimento global e a destruição dos ecossistemas sejam balelas, que nada disso existe, que são idéias fabricadas e uma guerra ideológica, para prejudicar o “desenvolvimento" de países como o Brasil, EUA e outros mais, alguns chegam até a dizer que tudo isto é uma invenção da China para ampliar sua influência e dominar o mundo.

Antes, a esta teoria conspiratória era baseada no perigo do movimento comunista internacional, mas com a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, o grande perigo mundial para essas pessoas continuam sendo o socialismo e o comunismo, capitaneado principalmente pela China e seus novos satélites. E, neste contexto a questão ambiental faz parte desta teoria da conspiração contra a civilização cristã e ocidental.

Parece que para essas pessoas desenvolvimento significa destruição da natureza a qualquer preço incluindo a degradação dos solos, o envenenamento dos alimentos com uma carga imensa de agrotóxicos, a poluição do ar, tornando-o irrespirável, a transformação dos cursos d'água como os rios, os córregos, os lagos, as lagoas, o mar e os oceanos como temos presenciado cada vez mais.

Pior do que tudo isso, na visão dessas pessoas os indígenas, a população ribeirinha, os pequenos agricultores, os quilombolas, os ambientalistas, os defensores dos direitos humanos devem ser contidos ou até mesmo eliminados para não atrapalharem o progresso e os lucros dos empresários.

Somente com educação ambiental, com o despertar da consciência social, da cidadania e um freio nas maluquices de governantes insensiveis e descompromissados com a preservação ambiental e com a sustentabilidade teremos condições de salvar o Brasil e o planeta terra desta sanha criminosa e criar as possibilidades para um desenvolvimento verdadeiro que respeite a natureza, seja sinônimo de mudanças tecnológicas, que possibilitam aumento da produtividade sem desmatamento e uma distribuição equitativa dos frutos desse desenvolvimento e não apenas concentrando renda, riquezas e oportunidades nas mãos de minorias privilegiadas, enquanto milhões e milhões pessoas são excluídas e obrigados a viverem na miséria, com fome e excluídas politica, social e economicamente.

Degradação ambiental, destruição da natureza, extinção da biodiversidade, crimes ambientais, desmatamento e queimadas ilegais favorecem apenas apetites econômicos imediatistas e insaciáveis que, de fato estão colocando em risco o equilíbrio e a sustentabilidade do PLANETA TERRA e da MÃE NATUREZA, a começar pelo Brasil.

Um dia, todos e não apenas esses criminosos irão pagar esta conta, na forma de condições precárias do ar, das águas e do solo. Os indícios já estão surgindo nas mudanças climáticas, no aquecimento dos oceanos, no aumento de desastres naturais, na alteração do regime de chuvas, no assoreamento, a morte de rios e outros cursos d'água; na falta d'água e racionamento nos centros urbanos, nas represas que estão secando; nos oceanos que estão se transformando em uma grande cloaca e depósito de lixo mundial, nas migrações forçadas devido a desertificação e perda da fertilidade do solo.

Segundo dados da OMS, referentes a 2016, só a poluição do ar matou em torno de 8 milhões de pessoas por ano no mundo, mais do que todas as guerras civis ou entre países, atos terroristas ou violência urbana juntas, mas parece que nada disso reduz a sanha dos criminosos do meio ambiente.

Volto a insistir, o Brasil, pela sua dimensão continental, pela abundância de recursos naturais não renováveis, pela riqueza de sua biodiversidade não pode se dar ao luxo de destruir, de forma insana o meio ambiente , mesmo que em nome do progresso, da soberania nacional ou do desenvolvimento. Tudo isso e, pior, invocando como justificativas, práticas predatórias de décadas ou séculos que em outros países e também no Brasil, promoveram um "desenvolvimento de terra arrasada", como a expansão desordenada das fronteiras agrícolas, a industrialização e urbanização de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e em diversas outros estados.

Exemplos como da morte dos rios Pinheiros, Tietê, Tamanduatei e todos os seus afluentes em São Paulo que se transformaram em grandes esgotos a céu aberto, que para serem despoluídos seriam necessários vários bilhões de reais ou da Baia da Guanabara e da Baixada fluminense que também são exemplos de destruição ambiental e tantos outros, como a transformação do Rio Cuiabá e seus afluentes na maior rede esgoto a céu aberto do Centro-Oeste que já está contribuindo para a destruição do Pantanal.

Tudo isso, lamentavelmente, não tem servido de alerta para governantes incompetentes, omissos e coniventes que se sucedem nos postos do poder e que nada ou praticamente nada fazem para resgatar este passivo ambiental que a cada dia se torna maior e praticamente impagável. Esta é a herança que esta sendo deixada para as próximas gerações.

O tempo urge e não bastam ações improvisadas, intempestivas, paliativas e descontinuadas apenas para dar uma satisfação momentânea para a opinião pública nacional e internacional. Isto é o que eu denominado de aplacar temporariamente a fúria das massas, com a maestria que só os políticos e governantes demagogos sabem e conseguem fazer.

Afinal, se o Brasil é signatário da Agenda 2030 (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) da ONU e também da CARTA/ACORDO DE PARIS e outros tratados internacionais, significa dizer que o Estado Brasileiro e não o governo de plantão no momento desses acordos e tratados, assumiu pública e soberanamente diversos COMPROMISSOS INTERNACIONAIS indeclináveis, os quais deveriam servir de base para a elaboração de um PROJETO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO, que tenha por base a SUSTENTABILIDADE, a inclusão social e a justiça social, para que, de fato, possamos nos orgulhar do país e dos governantes que temos, mas que ainda estamos muito distantes desta realidade, lamentavelmente!

Em tempo, transcrevo dois dos 17 OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL aprovado pela ONU , dos quais o Brasil é signatário e que, diretamente tem, como se diz, tudo a ver com o que esta acontecendo na Amazônia, no Cerrado e demais biomas brasileiros.

Objetivo 13: “Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos”, objetivos 15: “ Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda da biodiversidade”.

Diante das cenas deste fogaréu, de imensas áreas destruídas, de nuvens negras de fumaça que sobem pela atmosfera, impossibilitando a população respirar ar puro ou sequer poder ver o sol ou a lua, animais fugindo ou mortos pelo fogo, podemos perguntar: será que os nossos governantes, passados e atuais, estão realmente fazendo “o dever de casa”?

Só quem está sofrendo, direta ou indiretamente, com esta CALAMIDADE AMBIENTAL, que se agrava ano após ano, pode responder a esta pergunta.

JUACY SILVA é sociólogo e professor universitário titular e aposentado da UFMT.